Uma carta para você
Sobre escrever cartas e o limiar de uma nova década de vida.
Na adolescência, troquei correspondência com as amigas por vários anos. Era uma alegria quando o carteiro chegava. Lembro-me de que nem precisava ir aos Correios. Ele mesmo levava minhas cartas para postar na agência.
Os anos passaram e agora, trocamos e-mails ou mensagens curtíssimas nas redes sociais. Mas hoje, escrevi uma cartinha de verdade para uma amiga querida e enviei pelos Correios. Foi muito boa a sensação.
Para este post, aceitei o desafio da Paula Maria e do Lisandro Gaertner de escrevermos uma carta, que é a proposta da primeira semana do #Literoutubro04.
Completei 68 anos há alguns meses. Estou quase no limiar de uma nova década. Para o desafio, trouxe um registro sobre como é passar dos sessenta, nesta carta que escrevi para mim mesma tempos atrás.
Venha ler:

Cara Denise,
Misericórdia! Quase 70, menina!
Anos atrás, uma amiga querida sua teve uma pequena crise de choro a ponto de o rosto inchar, no dia em que completou 40 anos. Você já estava bem à frente dessa idade, na época, e achou engraçada a reação inusitada: “Espere até chegar aos 50!”, brincou com ela.
Em outra ocasião, quando uma outra amiga sua fez uma grande festa para comemorar os 60, você ficou chocada. Pareciam tantos anos de vida acumulados. Imaginou-a chegando ao fim da vida. Era assustador.
Agora é a sua vez! Quase setenta! Ainda está descrente sobre isso, mas, realmente você foi muito além dos sessenta. E, ao contrário do que imaginava, não há aquela sensação de coisa velha e acabada. Eu acho até que está ficando cada vez melhor à medida que envelhece.
Obviamente, seu corpo não é tão forte como costumava ser. Subir escadas já não é mais tão fácil quanto antes. Você tem rugas e cabelos brancos cobrem sua cabeça. Mas não estou falando sobre aparência, e, sim, sobre o seu coração e sua alma.
Você tem feito muita coisa boa e algumas ruins também, minha amiga. Teve alguns altos e baixos espetaculares, concorda? Sua vida é maravilhosa porque tem se cercado de pessoas incríveis que a ajudam a ser cada dia melhor. Isso é importante, porque não pode fazer tudo sozinha o tempo todo. Está sempre se dedicando aos outros, mas aprendeu a dizer não e a fazer exatamente o que quer.
Tem garantido que sua cota de amor seja regularmente reabastecida. E você chegou à conclusão que somente quem se digne a ser um dos seus amigos é que a abastece. E eles podem ser da família ou não.
Você é sempre a sua própria pior crítica. E é nisto em que precisa se concentrar. É muito rápida para julgar a si mesma: em como não é boa filha, boa mãe ou boa avó o suficiente. Ou em como não é boa escritora, mediadora ou professora.
Esse é o seu desafio: você realmente não quer e nem precisa ser como as pessoas esperam. Elas são tão falhas quanto você e estão fazendo o possível para viver, adiando o resto. Então, seja como você é, porque está bem, menina.
Passe mais tempo fazendo coisas que ama nesta sexta década de vida. Não se apresse tanto. A sua neta está se desenvolvendo rápido e fazendo um trabalho impressionante. Sua filha está encaminhada na vida e faz suas próprias escolhas. Lembre-se apenas de estar presente para elas no momento.
Você não pode se concentrar em dez coisas ao mesmo tempo. Ou você irá fazer algumas coisas pela metade e outras com foco total. Então, faça o seu melhor. E seu melhor é demais. Sério.
De qualquer forma, sessenta e tantos anos caíram bem em você. Sem crise existencial. Apenas uma oportunidade para estar bem consigo mesma, como se tivesse 25. A alma não envelhece, lembra? Por mais e mais outros anos vindouros, vai se sentir jovial, embora os dias continuem marchando.
Não mude. Agora você é experiente e sagaz e, provavelmente, não poderia ser diferente, se você tentou.
Com carinho,
Você mesma
E você? Como imagina sua vida após os sessenta?
Conte para mim.
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Grata por sua leitura e até a próxima!



É interessante que não vejo grandes homens falando sobre sua autocrítica. Quando eles se contam, contam outras histórias: sobre seus fazeres, suas aventuras, causos.
Agora mesmo estava falando para a minha terapeuta: poxa, estou aqui fazendo um super exercício para conter a minha autocrítica e você segue perguntando o que achei? Achei o resultado um horror, mas é o que tenho para apresentar.
(tenho quase certeza que o resultado não está um horror)
Eu fiz o meu melhor. Anotei as coisas que não gostei e vou melhorar no próximo. Descubro, fazendo um projeto em vídeo, o quanto sou "do texto".
Ah, o texto... Esse pobre coitado que foi engolido, mas é tão amado por muitas e muitos.
Adoro suas cartas e seus escritos. Por favor, escreva.
beijo